sábado, 30 de junho de 2007

Revire a volta. Revira e volta.

Estou diante de um labirinto. Bela metáfora. É, insiro-me em uma bela ilusão. Métafora pobre à vida que me envolve. Vivida no cotidiano construído pelo ente que vive em cima de mim, aquela velha escola acoplada ao meu corpo. Chamam-na de cérebro. Estranho. Estranho como o que é nosso é tão distante, é tão...outro! Metáfora aceita, diz o código binário inserido em um córtex qualquer. É lá que sonho, não com vales, árvores e nuvens escondidas pelo sol, mas com o labirinto que é a vida.

Abro a primeira porta e sigo adiante. Espero encontrar, no âmago de minha caminhada, uma definição a tudo que me pertence. Ou talvez a tudo que quero pertencer. Nada na vida envolve articulações próprias, deveres próprios até. O sentimento, a luta, o perdão, são imagens queridas pelo corpo que nos reveste. Nada disso é nosso. Veja só, até o psicopata(aquele ser desprovido de sentimentos, como os definimos) depende do outro para fazer fluir suas próprias investidas. Tudo bem, é diferente. Ele usa os outros como instrumentos de seu repertório. Mas em nosso teatro, raramente somos os personagens principais. Vivemos em constante medo de sermos deixados para trás, mas sempre no cenário de outro. Quero ser personagem principal! Sem dúvida, mas no roteiro escrito por quem conquista a minha audiência

Por isso invisto no caminho curvilíneo. Não por parecer o mais propício. Mas talvez por ser o mais próprio. Pensando bem, talvez por ser o mais distante daquela sabedoria induzida pelo senso comum: o reto. Seguir em frente, quase sempre se vinculou ao caminho reto. Reto de certo, de não afetado. Devo lembrá-los que há perfeição em um ciclo? Seguir curvas e tomar desvios faz parte do significado que cunha minha trajetória. A trajetória que se completa com emboscadas e cercas eletrônicas, com atritos que definem as cicatrizes do meu corpo interno. Sejam elas significativas para outros ou para mim. Não nego, estou diante de uma decisão e escolho a trilha menos viajada. Apego-me ao perigo. Sim, esse é o escopo final de toda felicidade, não é? Afinal, nada mais profícuo que seguir o passo pelo tato desconhecido.

Claro, isto é loucura. Loucura das minhas. Luvas refringentes seria a escolha, não? A solução é colocar-me diante do desconhecido e permitir que ele me consuma. Só assim para sentir o repelente calor da existência. Sim, o tato do outro pode me ser útil. Desde que me pareça familiar, interativo, introspectivo, aliás. Todo caminho humano é diferente, toda afirmação humana é diferente. Por isso mesmo que não entendo a existência da palavra “Todo(a)”. Maldita linguagem. Impede coerência ao pensamento lúcido. Nada mais infeliz que um ser idôneo. A idoneidade se confunde com a perfeição. A perfeição se confunde com o reto. O reto não se desenvolve. Ele só segue, e segue, nada mais, nada menos.

Portas, novamente. Já não me importo em explicar como é sua aparência. É como outra qualquer. Não há porta certa, então por que enfeitar uma com pensamentos inúteis ao processo de seleção? AH, aquela porta linda, feita de mármore bem lixada, vermelha como o coral mais belo, lisa como a pela da mais amada. Palavras de um estético egocêntrico! Como se suas escolhas fossem mais belas que a do outro. Talvez aí esteja a felicidade: Embelezar o que não é belo por definição. Até porque a única coisa bela por definição é o amor. E ele o é justamente por transformar belo o que nunca foi, o que nunca será. Eu percebo, eu sinto, eu sei que escrevo palavras desconcertantes. Acredito que há, nelas, significados aceitos por meus leitores. Escrevo palavras. Entôo sentidos maléficos ao conservador. Acredito que há, neles e nelas, significados ocultos, perceptíveis somente ao olho perspicaz, ao perdido no labirinto da linguagem, como eu. Escolho a minha porta e sigo minha sina.

Lembro da escada em minha casa. Nela, as escolhas são mais simples. Desço, subo. Subo, desço. Mas andar em torno do desconhecido, tomando riscos a toda escolha, parece-me mais recalcitrante, no bom sentido da palavra. Não acha bom sentido para ela? Então precisas buscar mais uma vez. Se achar, verás meu caminho aberto aos seus olhos. Discordância, resignação, ao invés da réplica instituída.

Lá está ela, linda como nascer, estrondosa como a morte: a minha escolha. Ao fim de meu raciocínio prévio, decido-me pelo precipício e somente assim termino minha estória da forma desejada.

Desce, sobe, sobe desce. Deleito-me ao entender a insegurança diante de uma porta. Se não sair do labirinto, aqui ficarei, eternamente. Se não subir a escada, simplesmente não a subirei. A importância do escolher uma coisa tão banal como uma porta me espanta. Ao mesmo tempo, porém, me glorifica. Como a glória causa repulsa aos medrosos. O feito heróico se respalda no risco envolvido na solução. Quando não há risco, não há existência plena. Há o medo de se viver, de tomar decisões e de sair do labirinto.

domingo, 24 de junho de 2007

12° Dia: Alegoria do Caldeirão Fervente (III)

o corpo caído
os olhos abertos
cor vermelho-sangue
a boca espumando
a face roxa
os membros rígidos

morte:
a velha conhecida
dos condenados à vida.

mataram a velha;
matou-se a velha;
matou a velha:
ele.

vento para bulir
vento para levantar
a existência

move a terra
levanta as saias
e arranca as palhas e as telhas das casas

e fogem todos
buscando a vida
que se move atordoada
enlevada pelo vento

e correm todos
como formigas perdidas
desordenadamente
a tentar resguardar
o que já não possuem

tudo rodopia
alcançado pelo redemoinho
um espiral de verdades:
dúvidas, perguntas e certezas.

certezas?
precisas das certezas?

depois o silêncio
o silêncio-surpresa
o silêncio-espanto
o silêncio-medo

ensurdecedor

não acreditas no que vês?
sente a água repousando
inquietamente sobre o teu corpo.
sente a água caindo do céu como balas,
perfurando a tua mente.

a velha
morte
caída
os olhos ainda abertos
tinha razão.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Chão de terra

Pertence
À escuridão, o céu azul
À entonação, o ar de sério
E ao estilete do faisão,
A moça alegre.

Estende
De um lado ao outro a semelhança
Que entre um olho e outro se desavença
E encontra no distúrbio mental
A chave para a alegria

Critico
O sol nascente que não espanta
O peregrino iludido pelo carinho
Que, como nave espacial,
Só existe no horizonte

Receio
De dor ao longo dos tempos
Da falha entre comunicados
Anterior ao pé-rapadura
Estridente em toda sorte

E saio
Sem ter que falar nada
Redigindo palavras
Palavras circunstanciais
Para meu delírio pessoal
E do leitor
Leitor habitual.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

10º Dia: Alegoria do Caldeirão Fervente (II)

‘Porém, nada aconteceu no primeiro dia subsequente, muito menos no segundo. Nenhum sinal de vento, de nuvem ou de chuva apareceu. Não obstante, a velha passava horas ao lado de sua oferenda, declamando frases em linguagem desconhecidas, cuja mensagem ninguém conseguia entender.’
- Está louca e caduca esta velha! Não dêem importância ao que ela faz! Deixem-na sozinha. Ela só quer chamar atenção.
‘Passou o terceiro dia e nenhuma novidade ocorreu.’
‘No quarto dia, uma criança que havia nascido há menos de duas semanas faleceu desnutrida. Sua mãe não produzira leite materno suficiente e os animais do pasto, há tempos, já não o produziam. ’
‘Era costume, naquela freguesia, colocar os corpos dos falecidos num pote enorme de cerâmica que eles mesmos produziam com argila que extraiam do solo. O pote era redondo, no formato de um globo, onde o corpo era disposto sentado, as pernas do falecido eram cruzadas e as mãos eram colocadas entrelaçadas sobre as suas pernas.’
‘O corpo era colocado nu dentro do pote. Também se retiravam dele todos os apetrechos materiais (fivelas, correntes, colares, sandálias). Quando o falecido era um homem, e tivera sido um bravo destemido dentre os demais, arrancavam-se todos os dentes de sua arcada, os quais eram utilizados para a confecção de um colar a ser usado por seu filho mais velho. Ter um colar de dentes do pai era a obtenção de um considerável status entre os condenados. ’
‘Após todo o ritual de costume, o pote era lacrado com uma tampa de cerâmica, e posteriormente levado a uma gruta que havia perto dos paredões montanhosos, onde era finalmente enterrado.’
‘Naquele dia, enquanto condenados mais próximos da criança falecida prepararam o seu corpo, chorosos, para colocá-lo no pote, escutaram-se gritos da velha anciã, radiante de felicidade, ao perceber que não havia mais água na cuia da sua oferenda:’
- Estão vendo! Escutaram-nos! Escutaram-nos! Não tardará e cairá chuva.
‘No entanto, aquela profusão de alegria em meio a um ar de profunda tristeza e melancolia foi bastante para ensejar a revolta dos moradores da freguesia, irados com o desrespeito da velha anciã, relativamente à dor pela morte do bebê.’
- Essa velha não respeita nem a dor pela morte do meu filho! – reclamava o pai da criança.
‘No entanto, a velha não parava de gritar. Correu por todas as ruelas da freguesia, anunciando a boa notícia, prevendo chuvas e mais chuvas, períodos de prosperidade, o fim das dores e da morte. A inquietação da anciã foi suficiente para que, flagrantemente raivoso, o pai da criança, como num rompante, se retirasse abruptamente do lugar onde estava, ao lado do corpo do filho, buscasse um machado nos fundos do casebre e se dirigisse ao encontro da velha, que, naquele momento, encontrava-se novamente no descampado, ao lado da oferenda.’
‘O homem caminhou arquejante ao encontro da velha, debaixo do sol a pino. Alguns moradores da freguesia vieram logo atrás dele, suplicando que se controlasse. A velha estava agachada ao lado da cuia vazia, de costas para o homem. Porém, como se pressentisse a sua chegada, tornou a virar abruptamente para ele antes que a alcançasse com o machado esticado em sua direção, em inegável tom de ameaça.’
‘A velha levantou o olhar vagarosamente e fitou os olhos vermelhos e suados do homem. Virou o olhar para o machado, sujo de terra e de barro, e tornou a olhar o chão, como se estivesse indiferente à ameaça.’
- Se estiveres aqui pelo incômodo que sentes pela morte do teu filho, te garanto que ele agora está em um lugar melhor.
- Que tu sabes desse mundo mais do que eu, hein? És tão humana quanto eu e se digna a ficar dizendo esses impropérios.
- Sou tão humana quanto tu és, mas isso não implica que eu veja o mundo da mesma forma que tu vês. Designo para as coisas sentidos completamente diferentes do que tu designas, e nem por isso sou melhor ou pior do que você.
- És uma louca!
- Qual o teu parâmetro para a designação da loucura? Basta alguém dizer uma coisa que não entendas ou que não concordes para atestar a sua loucura?
- Que eu não entenda? Estás a me chamar de burro?
- Não. Estou afirmando que és um ignorante.
‘As mãos do homem seguraram mais fortemente o machado.’
- Vais me matar?
- Já que és tão inteligente e superior, responda-me: o que acontece se eu te matar?
- Mata e verás!
- Estás me desafiando.
- Tu interpretas o que falo à tua maneira. Designas o sentido que pretenderes – e levantou-se – mas se queres saber do teu filho, olhe para o céu, durante a noite, e verás.
- Estás me fazendo de palhaço!
- Estou abrindo os teus olhos para possibilidades evidentes que não queres enxergar.
- Demoralizas-me na frente de todos!
- Apenas falo-te a minha verdade.
- A tua verdade?
- Adota-a se te for conveniente.
- Estás a me desafiar!
‘A velha anciã, visivelmente entediada, olhou para o céu e ergueu as mãos, pensando algo aparentemente indecifrável para os demais. O homem, irritado, jogou o machado na terra e a segurou pelos braços.’
- Teu filho estás vendo isso.
- Meu filho está morto e tu não me deixas sentir a dor de sua perda em paz.
- Foi apenas mais um que morreu. Morrerão ainda muitos. Mas a chuva... A chuva virá. Os deuses me escutaram.
- Cala-te! Não há deuses! Não há deuses! Estás louca! Não virá chuva nenhuma por esses dias. Não vês que não há sequer nenhuma nuvem no céu?
- Choverá hoje! Ainda hoje!
O homem passou a segurar fortemente a velha pelo pescoço.
- Não choverá e não há deuses! Estamos sozinho nessa terra!
- Choverá! Choverá! – a pressão das mãos do homem no seu pescoço começou a impedi-la de falar – Cho...
- Então, se há deuses, que eles impeçam que tu morras. Não és a mais inteligente de todas? Não és as maior crente dessas falsas verdades? Ele não iriam permitir tal perda!
- Choverá! Chov...
‘A velhinha, já fraquejando, repetiu por diversas vezes ainda a mesma frase. Era grande a platéia que testemunhava a cena, paralisada, atônita, silenciosa. Ninguém se atreveu a interferir, tão forte era a raiva do homem que agredia a velhinha, num acesso de ira.’
‘A feição da anciã, em nenhum momento, alterou-se. Mesmo fraquejando, sem ar, manteve o ar desafiante, absoluta em suas convicções. Em nenhum momento esmureceu. Seu rosto foi avermelhando-se e, no último suspiro, ainda reiterou:
- Choverá.
‘Caiu subitamente no chão, os olhos ainda abertos. O espanto foi geral. No entanto, antes que qualquer pessoa pudesse exclamar algo relativo ao evento prontamente consumado, ou ao menos antes que o homicida pudesse ter consciência e certeza da morte da velha, uma forte rajada de vento, vinda não se sabe de onde, supreendeu a todos, formando um redemoinho que se iniciou pequeno, mas foi crescendo, crescendo, envolvendo o barro da terra e absorvendo tudo o que encontrou pela frente. Atordoada, uma criança olhou para o céu e constatou, espantada:’
- Nuvens cinzas!
‘Todos olharam incrédulos para cima. O céu, antes azul e seco, transformara-se em uma abóboda de cinzas nuvens.’
‘Poucos minutos depois, ante o gélido e estático espanto de todos, começou a chover torrencialmente na freguesia.’
[continua...]

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Devaneio robusto

Hoje fui inundado de perguntas. Nada me traz mais aflição. Bastam as perguntas montadas e remontadas em minha própria cabeça. Preciso escrever os acontecimentos a fim de refletir melhor sobre elas. Róbson não larga do meu pé, e, continuadamente me incomoda. Bom, relatarei aqui o diálogo que tive com ele, anteriormente. Acredito que nele estão inseridos todos os acontecimentos desse dia repleto de tréguas.

Róbson, estive pensando. Comer pão, ao lado do meu cachorro, me faz bem. Como explicar tal sentimento? Ah, isso já é pedir demais. Não estou aqui para lhe convencer a comer ao lado do seu cão. Só o digo a título de argumentação. Não quero comer ao lado de minha irmã. Pronto, ponto final. Prefiro comer ao lado de meu cachorro. A vontade foge de algum tipo de escárnia, ou aversão à figura de minha irmã. Não quero ofendê-la. Mas você a ouviu: Por que não comes ao meu lado? E tenhas a dignidade de me responder verdadeiramente. Assim, o fiz. Então por que a preocupação? Por que a angústia que estás sentindo? Se não é, pois, eu que lhe disse tudo. Acredite em mim.

Estou, na verdade, cansado desse formalismo necessário à comunicação. Argumento por argumento, palavra por palavra, lágrima por lágrima. Não. Esquece o que eu falei. Esse último que invoquei nada tem a ver com a pobre da linguagem. Ou pelo menos com seus aspectos formais. Maldita linguagem essa, que dita meus pensamentos e, ao mesmo tempo, restringe a expressão do que sinto. Como gostar de algo assim? Prefiro beijar, tocar, abraçar o mundo, do que falar sobre ele. Até porque falar implica abrangência do mundo alheio, como o seu, por exemplo. Não ria de mim. Estou a pensar, constantemente, nesses interlúdios, nessas pausas homéricas em que me perco dentro do meu próprio universo. HA, um louco consciente.

Sim sim, rimos juntos alguns momentos. Voltemos, porém à angústia inserida dentro do contexto. Aliás, essa interrupção destruiu toda construção ideológica de meu pensamento. Regresso inútil, parar e solicitar entendimento. Tudo depende dos nossos tremores. Você entendeu, diário, caro. Ser vivo, significa ter medo. Medo da morte, incessantemente ao nosso lado. Lembrando-nos da vida que temos. Jogue-me em cima dessa dama. Quero encontrá-la para agradecer, por todo sentido que ela possui e que possuirá em minha vida. Esboçamos uma compreensão, através de nossos medos perante ela. Aliás, que seria um significado sem o término do mesmo?

Pois então, vamos expandir minha colocação. Quero trazer vossa atenção de volta ao meu dia. As mulheres. Ah, sim, as mulheres. Como reprimem minha condução argumentativa. Queria conduzi-las à minha forma de pensar e elas percebem. Isso deve ser o problema. Minha irmã não concebe a idéia de ter vontades diferentes das existentes nos mortais comuns. Aí novamente, a minha dama. Morte, o ser é mortal, por todos sermos mortais, em algo não nos diferencia um do outro. Isso dá ensejo a uma contínua busca pelo enquadramento ideal da condição humana. Pois bem, ela se baseia na morte.

Como todos, então, minha pobre irmã reprime tudo o que acontece em minha mente por considerar minha linha de argüição diferente. Por exemplo, ousa-se a dizer que Róbson não existe, quando o vejo a todo o momento aqui, na minha frente. Quer me convencer, a coitada, mas carece de algo imprescindível para o feito: a lógica. Lógica interina aos falseamentos e construções argumentativas. Se somente soubesse o quanto lhe falta isso.

Ah sim, Róbson, estou de acordo. Existem coisas saudáveis à mente que não me remetem ao princípio lógico. Mas não estou falando disso. Refuto tal argumento por isso. Ele não cabe em meu sistema, nesse exato momento. Como assim que sistema? No sistema criado em minha cabeça para compreender seu fala, minha fala, a fala de minha estúpida irmã, durante o rastreamento vital. Poxa, não me faça rir. Não estou com a pretensão de dizer que toda vez que falo com alguém, penso num critério que devo usar a fim de esboçar meu pensamento. Mas quero dizer que há um pretexto por trás de toda conversa. Que esse seja convencionalmente estabelecido ou mesmo de forma espontânea, não importa. Mas há critérios pré-estabelecidos para o entendimento de uma simples frase. Ele não precisa ser unívoco, mas imprescinde de certos requisitos. Esses requisitos, em sua maioria, são lógicos. Como a lógica abrange uma quantidade absurda de argumentos, formulo meu próprio sistema. Assim, só argumentos plausíveis com minhas idéias são válidas.

O problema está justamente em transpor os meus indícios de realidade ao outro. Tenho ânsia por convencer. Ser justo para todos, por ditar o que é justiça em meu sistema. Afinal, não é assim que Deus funciona? Cria um mundo próprio, com regras próprias que ele, como detentor do sistema, dita. Se ele dita as verdades do sistema, é impossível que Ele minta. Acho que finalmente me entendeu, Róbson, quero que me entendam pelo meu valor. Pela minha santidade ecumênica. Se não eu, pelo menos minhas idéias são dignas de louvor, e, em especial, meu sistema. Acredita em mim? Mas não acredita que sou digno ou de que é isso que almejo? Finalmente, Róbson me compreendeu. A questão do dia, porém, fica. O convenci?

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Corrente do Pensamento

Preguiça. Movimento contrário ao trabalho. Por isso me dou tão bem com ele. Lá no fundo da paixão.... Pêra aí! Música. Isso é uma música! ‘Lá no fundo da paixão’. Bom, se não é, deveria ser. Se não é, parece ser. Enfim, preguiça. Estou deitado, faz horas. Não durmo. Não, não durmo. Mais do que acordado, estou ciente. Paro, penso, e uma vozinha dentro de minha cabeça diz: “Levanto? Durmo?” Nunca chego à conclusão. Triste, triste a imagem da instituição da preguiça.

Nossa, quanto “da” na última frase.

Serei lembrado, por poucos, mas serei lembrado por ser da maneira que sou. Essa maneira aprova a preguiça. O sentido aristotélico, você diz. Hum, talvez. Nunca li Aristóteles. Para que ler o que não me interessa? Para isso que servem empregos, universidades, etc. Não me sinto a vontade quando obrigado. Ao invés, fico pensando, delirando, sonhando com o que pode ser. Nunca vai ser mesmo. Pelo menos tenho tempo para pensar.

Ah sim, isso me lembra uma coisa. Já amei. Sim, sim, já amei. Sou roteirista do cotidiano. Logo, amei. Quem não se apega, não se entrega. Quem não se entrega, leva consigo o peso da ubiqüidade: deve estar a todo instante em vários lugares. Fixar-se, e prender-se, é permitir se apaixonar. Não sou fã do antagonismo: uma pessoa, vários lugares. Sim, portanto, amei sim. E como! Para falar a verdade verdadeiríssima, sempre vou amar. Amá-la. A má lanterna, que utiliza toda energia para iluminar meu caminho escuro. O problema está na escolha do caminho. Eu escolho? A luz escolhe? Tenho escolha? Alguém escolhe? Acho que sim. Prefiro me sujeitar às escolhas de outro ao me deparar com a incerteza proveniente da minha escuridão.

Como é que é? Está determinado. Deixe-me em paz por agora, labirinto da mente. Desculpe. Travei conflito com minha cabeça. Ela quer pensar. Eu quero sentir, e me unir à cama. Sinto-a. Amo-a. Sua pele entorta minha visão, recobre todo meu pavor, e enche-me de ilusões. São sonhos. Abertos, sorrindo, livres para me espantar, mas nunca irremediáveis. Pano branco, azul, lápis de cera. Ela me apóia em todo momento imprescindível à existência. Ela me apóia. Ela me sustenta. Mesmo quando não a agrado. Isso é o amor. Fases distintas, florescendo raras intervenções.

Pois é. Amei uma mulher. Faltava-me preguiça à época. Dizem que com o tempo, acostuma-se com o indivíduo. Nada mais lhe é novo. Nada mais é novo para mim. Assim, o ser humano se afasta. Busca o novo. Encontra novo. Novo, vira velho, busco outro novo. Mas o meu amar....Meu amar surgiu do nada. Aliás, surgiu do álcool. Surgiu da tentação produtiva, do nexo causal desfeito de conseqüências. Talvez por isso, nunca me cansei. Aquele cheiro. Aquele cheiro. Ele era sempre novo. Sempre envolvente, sempre alarmante. “Beija-me,” ele dizia. “Esconda-se em mim,” salteava o som ao meu nariz.

Perdia noção de minhas regras. De meus temores, pudores, e todos os outros “ores”. Só queria amar. Amar, amar. É, é assim. A mar. O mar é aquele negócio gigante, cheio de vida, cheio de morte, manso, feroz, impelido pelo vento, desgarrado da vontade humana. A mar, por sua vez, encontra-se no bojo do universo e enfeita meus pensamentos, minhas viagens. Somente um ser feminino poderia fazer tanto. O espírito de a mar está repleto de saúde, e resplandece isso a todo momento. Dica dos filósofos: Procure saber o significado literal da palavra, aconchegue-se nas estruturas lingüísticas para decifrar o verdadeiro intuito por trás do significado. A mar, logicamente, é o feminino de o mar. Claro, não é preciso estudar muito para ver isso. Por isso mesmo que percebi.

A mar, então, devolve-me toda vontade, e extradita minha preguiça. Essa moça, esse mulherão, me concebe no mundo. Joga-me para fora de meu íntimo, e me acaricia com palmas de veludo. Sou grato por isso. Mas não quer dizer que não goste da preguiça.

terça-feira, 12 de junho de 2007

7º Dia: Alegoria do caldeirão fervente (I)

‘A nossa pele dos pés era rachada e ferida, como se tivéssemos andado descalços por toda aquela imensidão de terras, tão desconhecida, da qual não sabíamos nem o começo nem o fim. Existíamos. Simplesmente existíamos. Não sabíamos a nossa origem e nem o nosso destino. Vivíamos ali, a esmo, naquela terra quente e seca, onde o vento só chegava de vez em quando. Alguns até desconfiavam que ali seria o fim. O fim. O fim do mundo.’
‘Partir? Fugir? Partir era não voltar jamais. Alguns tentaram e, infelizmente, não soubemos o que lhes restou. Não resistiríamos: argumentavam isso, sempre. Havia elevados de terras enormes por todos os lados e escalar os paredões das montanhas era tarefa praticamente impossível para qualquer um de nós. Sentíamos como se estivéssemos no fundo de uma cratera, dentro um caldeirão, flutuando num caldo de atmosfera. Um caldo fervente, cujo calor extraía todos os nossos líquidos, fazendo com que nós também fervêssemos. Fervíamos de agonia. Viver era (é?) agoniante.’
- Deixa estar – sempre balbuciava uma anciã solitária que vivia entre nós, os condenados – deixa estar.
‘Entre partir ou entre ficar, entre morrer ou entre viver, entre se arriscar ou entre se conformar, preferíamos nos entregar à nossa prisão sem celas e sem paredes.’
- Morreremos todos do mesmo jeito! – argumentava a velha anciã – e duvido de que lá do outro lado seja melhor do que aqui.
‘Das montanhas caía um fiapo de água. Tentavam em vão explicar a origem daquela água, os motivos daquela conformação, mas não havia consenso. Alguns diziam que era o acúmulo da água que caía do céu.’
‘Sim, caía água do céu! E nos espantávamos com esse fenômeno. Vez por outra, o azulado do céu se transformava numa branquidão acinzentada medonha! E começava a cair água, às vezes forte, às vezes fraca, às vezes torta, às vezes reta. A água que caía do céu era a nossa alegria. O tempo esfriava. Era como um refresco para os nossos corpos tão acalentados e torrados pelo calor.’
‘Olhar pra cima era o nosso único entretenimento. De dia, o céu tinha um tom azulado mais claro e o sol forte nos iluminava. As crianças adoravam descobrir formatos de desenhos nas nuvens. Viam bichos, dragões, pessoas, reinos e castelos. O tempo passava, as nuvens mudavam de forma, e já podíamos perceber que elas imitavam outra coisa. De noite, aparecia a lua, o céu ficava na penumbra e podíamos ver vários pontinhos brancos brilhantes.’
‘Tudo aquilo era tão lindo quanto desconhecido. Era, para nós, a imagem da perfeição. O céu deveria ser o melhor lugar de todos. Afinal, um lugar onde havia tanta água – capaz de transbordar - não poderia ser ruim.’
- A gente vive das migalhas do céu – reclamava a velha anciã.
‘Por algum tempo, passava meses sem cair nenhuma gota de água do céu. Era a desgraça. As plantações morriam, os animais morriam, as pessoas morriam. Já éramos poucos e com o passar do tempo a quantidade dos condenados que morriam superava, em número, a quantidade dos que nasciam.’
- O céu está ficando escasso de água – especulavam alguns.
- Eu acho mesmo é que por lá estão com raiva de nós – afirmava, solitária, a velha.
‘Afirmações reiteradamente repetidas tornam-se verdades absolutas. E o sol, que parecia irradiar mais calor nesses períodos de seca, contribuiu para que as pessoas começassem a concordar com a velha anciã.’
- Nunca vi algo assim. Vocês são burros? O calor que o sol nos manda está mais forte! Não mandam mais vento e nem água. Estamos morrendo! Estamos morrendo! Temos que fazer alguma coisa! Se estão nos tratando assim, é retalição! Fizemos alguma coisa que lhes desagradou!
- Mas o que poderíamos ter feito? – indagavam todos.
- Não sabemos. Talvez nunca saberemos. E pra que sabermos? Ficar remoendo essas feridas não tem sentido. Temos é que pensar em alguma solução!
- Poderíamos enviar uma comissão ao céu, e conversarmos, negociarmos com os homens que lá vivem! Tenho certeza de que, subindo por essas montanhas, chegaremos mais perto deles, e só assim eles poderão nos ouvir.
‘A velha riu ironicamente:
- Burros! Burros! Burros!
‘Mas a maioria dos condenados acatou a idéia do homem. Iniciaram as tratativas da viagem: a grande viagem. Elegeram-se cinco pessoas que integrariam a missão. A idéia inicial era que os mesmos fossem chefiados pelo próprio homem que dera a idéia da viagem. Porém, ele mesmo se recusou, por motivos óbvios, alegando que não teria condições físicas de enfrentar a viagem.’
‘Posteriormente, cada uma das outras cinco pessoas, pelos mesmos motivos óbvios da recusa do eventual chefe da missão, desistiu da viagem. Diante do imbróglio, alguém teve a idéia, por fim, de enviar na missão três pessoas da freguesia que viviam presas numa jaula, por julgarem os demais que não regulariam bem da psiqué.’
- Estão querendo se livrar dos doidinhos! Estão querendo se livrar dos doidinhos! – ironizava a anciã.
- Deviam colocar a velha anciã para chefiar a missão! – resmungavam alguns.
‘No grande dia designado para o início da expedição, instruíram os três homens, explicaram-lhes o caminho a tomar e lhes deram alguns mantimentos. Estava inaugurada a primeira grande missão diplomática da freguesia!’
‘Realizadas as instruções e os discursos, deram ordem aos três homens para que iniciassem a viagem. Mas eles nem se mexeram. ’
- Vão! O caminho é por ali! Não ouviram?
‘Esqueceram os condenados de que aqueles homens talvez nem entendessem o dialeto falado na freguesia. Os três homens demonstravam-se indiferentes, nem ao menos tentando entender o que lhes falavam.’
- Vão! Corram!
- Eles não vão correr. Eles não vão sair daqui. É fato. São loucos! Loucos! Débeis! Não entendem o que a gente fala – resmungava a anciã, que observava a cena, a gargalhadas, ao fundo. – deviam ter escutado a velhinha aqui. Mas a velhinha aqui não serve para nada. Jamais nenhuma missão conseguirá estabelecer alguma conversa com aqueles que vivem no céu. É óbvio! Lá não vivem homens, nem bichos, nem plantas! Jamais nos escutarão desse modo. Lá deve viver algo maior, sublime e tão perfeito quanto a beleza das imagens que vemos quando olhamos para cima. Por acaso já viram homens passeando pelo céu? Não, não viram. E não viram por um único motivo: homens como nós, lá não existe. Existem o sol e a lua. Eles são redondos assim por serem como olhos que testemunham tudo o que fazemos. E quando lhes despertamos a ira, não nos jogam mais água, nem vento e ainda aumentam o calor, pois sabem que esses elementos são essenciais para as nossas vidas. Eles são nossos protetores mas, como os bons pais, repreendem os filhos quando fazem malcriações.
- Essa velha está louca! Louca! Deveríamos prendê-la na jaula junto com os demais – gritavam alguns.
- Então vamos lá, sabichões! Subam as montanhas e tragam a chuva! Eu, por outro lado, me comunicarei com eles de outro modo! Falarei o que eles querem escutar. Irei fazer uma prece aos nossos protetores, aos nossos bons pais! Tenho certeza de que eles nos escutarão dessa forma.
A velha anciã, levando um pote bem raso de água coberto por folhas de louro, dirigiu-se lentamente a um descampado que havia ao lado da freguesia. Todos a observavam calados, atônitos, vislumbrando a velha como a personificação da loucura.
Ela alcançou um ponto mais elevado e ergueu o pote de água aos céus e recitou lentamente:
- Nossos bons protetores, deuses da nossa origem, do nosso destino e da nossa sina, recebei tudo o que possuímos, esse humilde resto de água, e fazei com que esse cadinho se multiplique, mais e mais, para que possamos viver em paz os nossos desígnios. Perdoai as nossas falhas. Estamos aqui reconhecendo as nossas culpas!
‘A anciã deixou o pote de água no solo e voltou plácida à freguesia, onde os homens riam da sua atitude, chamando-a de louca.’
- E ai daquele que mexer na cuia de água que eu mesma levei! Eu o amaldiçoarei!
‘Embora zombassem e duvidassem da velha anciã, todas as pessoas, no silêncio das suas intimidades, desejavam, verdadeiramente, que aquele ‘teatro’ surtisse algum efeito. Nas horas subsequentes, muitos ficaram olhando para o céu, na esperança de que se fomasse alguma nuvem que anunciasse a chuva.’
[continua...]

sexta-feira, 8 de junho de 2007

6º Dia: Dos temposde cólera (III)

Dia após dia, fui melhorando da febre e da fraqueza, dormindo cada vez menos, levantando-me da cama uma vez por dia para comer e me assear. Vesúvia encontrava-se visivelmente abatida, mais magra, não obstante não escondesse um certo contentamento pelo meu restabelecimento.
- Trouxe um livro novo para você começar a ler nesta manhã. Dom Quixote! – surpreendeu-me ela um dia, sorrindo carinhosamente, como nunca havia feito comigo.
- Meus olhos ainda doem.
- Se não tiveres determinação, jamais se levantará desta cama.
A idéia de ler um livro me fizera relembrar, inevitavelmente, de Ceci. Mas era preciso que eu me acostumasse à idéia de que Ceci se fora, não sabia para onde. Aliás, não sabia nem se Ceci algum dia estivera comigo. Poderia ter sido fruto dos meus delírios.
- Vesu... E a seca?
Vesúvia olhou para o teto e deu um longo suspiro.
- Morreram muitos.
- Quantos?
- Muitos, não sei ao certo.
- A seca já passou?
- Choveu na semana passada. Foi dia de Santo Antônio.
- Tu emagreceste.
- Foi o desespero, a preocupação.
- Foi castigo, Vesu?
- Castigo? O quê?
- A minha doença.
Mais um longo suspiro.
- Os desígnios de Deus e dos homens são indecifráveis, Pingolim. – silenciou por alguns segundos, pensativa. – E agora deste para entender de Deus?
- Eu estive com Deus.
Visúvia gargalhou da mesma forma que o Deus coronel de engenho gargalhara no meu sonho. Porém, subitamente, ficou séria.
- Esteve com ele? E o que ele te disse?
- Venha até mim.
- E foste? – falou intrigada.
- Eu tentei, mas não consegui chegar até ele.
- E como era esse teu Deus?
- Era um homem.
- Um homem?
Ficamos em silêncio por alguns minutos, os dois cabisbaixos. Vesúvia se levantou lentamente, como se precisasse de muita força para andar. Fitei o Dom Quixote, admirei as gravuras da capa e comecei a ler o livro.
Passei o dia todo em leitura. Mais tarde veio Vesúvia com o mingau de aveia, sempre quente e salgado. Demorei mais que o tempo normal para comê-lo e logo caí na cama, pensativo, ansioso por relembrar todos os meus sonhos e delírios e analisá-los um por um. O sono não tinha pressa.
- Ei! Psiu!
Uma voz estranha, vinda da janela, surpreendeu-me. Denotava um tom nervoso, como se a pessoa tivesse pressa. O cansaço me impedia de ir atendê-la.
- Ei! Você mesmo! Venha até aqui!
A curiosidade me tomou por completo e venceu o meu cansaço. Caminhei até a janela e abri uma fresta da madeira. Era um menino, aparentemente da minha idade, um ar ansioso, muito suado e as roupas sujas de terra.
- Ei! Preciso de sua ajuda!
- Ajuda? Quem é você?
- Preciso de sua ajuda! Agora!
- Ajuda para quê?
- Estamos em guerra!
- Guerra? Que guerra? Não vejo guerra!
- Mas não é preciso que você veja as coisas para que elas existam. É uma guerra silenciosa! Todos sabem, mas ninguém comenta!
- Guerra silenciosa? E as balas, os canhões, os feridos?
- Ai! Você não entende nada mesmo desse mundo! Em que mundo você vive? É uma guerra silenciosa, abstrata! Não vê as pessoas morrendo por aí? Nós, homens, somos bichos, animais, temos instintos. Instintos de sobrevivência. Nessa terra de ningúem, não há recursos para todos. Por isso eles inventaram essa guerra. Estão matando todos que não lhes servem mais. Indiscriminadamente. Matam até com o olhar! O ohar é a arma mais poderosa que eles têm!
- Inventaram uma guerra? Quem são eles?
- O coronel de engenho, ajudado pelos seus capatazes.
- O coronel de engenho! Eu o conheço! Ele não é o...
- Exato! Ele chegou por aqui há muito tempo, com as suas idéias revolucionárias. Ele não era nada, e se tornou o Deus dos homens.
- Não sei... Não vivo no seu mundo! E acho que as pessoas estão morrendo pela seca.
- Seca! Seca! Seca é o que dizem. Seca é ilusão. As pessoas morrem pela guerra! Eu te garanto!
- Não consigo lhe entender.
- Há muito tempo atrás, numa seca muito mais braba que qualquer homem possa ter vivido, quando há meses não chovia neste sertão sem lei, caiu repentinamente uma tempestade tão forte, que a todos apavorou. E em meio aos relampejos, chegou um homem num cavalo branco, forasteiro, um lenço envolto na sua cabeça, da qual se podiam ver apenas os seus olhos, verdes como uma esmeralda. Tazia consigo um baú de madeira, trancafiado por um cadeado. ‘Vêem este baú? Vêem este baú?’, passou a gritar ele no meio da viela principal da freguesia, e não tardou muito para que as pessoas fossem às janelas, curiosas, não obstante a chuva. ‘Vêem este baú? Guardo coisas que jamais vocês viram! Coisas que vão mudar as suas vidas! Para sempre!’...
E o garoto foi descortinando a sua versão para a história do mundo dos homens, como se um cenário aparecesse do nosso lado e eu pudesse visualizar, com riqueza de detalhes, a sucessão dos fatos, a atuação das personagens, a troca dos cenários e até as possíveis reações da platéia (tristes ou alegres) para cada ato da tragédia.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Idéias




Erguida pelo vazio
De quem anda pela manhã sozinho
Na névoa do despedir
Do escuro inovador

Segue em mãos reunidas
No humor da vida retirada
Da pétala representante
Sangrando felicidade

Aos prantos, caminha
Sente sol, sente luz
Encolhe sua vértebra e se inclina
Diante da beleza estendida, perdida
No afogar da mente

É sábia, é bela,
É tirada da terra,
Corre como o tempo
E se perde como a vontade
De se amar,
Perdoar

Idéia. Idéia.
Sacrilégio te encontrar
Na oportunidade, te perder,
Me erguer.

E como sol,
Nasço, morro,
Ilumino, ofusco.
Mas a idéia
A idéia brilha
Brilha
E brilha.